Recentemente, publicamos dois artigos sobre a atualização dos códigos da Phrma (associação das indústrias farmacêuticas nos EUA) e da IMC (associação das indústrias farmacêuticas inovadoras no Canadá).
Eis que é chegado o momento de falar da Interfarma (associação das indústrias farmacêuticas baseadas em pesquisa no Brasil), que acaba de atualizar o seu Código de Conduta, cuja primeira edição foi lançada em 2007, com a finalidade precípua de estabelecer princípios de autorregulação, especialmente na interação com profissionais de saúde. É importante salientar que, em 2012, o documento foi ratificado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), pela Associação Médica Brasileira (AMB) e pela Sociedade Brasileira de Cardiologia.
Em 2016, o documento sofreu sua primeira grande revisão e atualização, sendo incluídas novas seções e regulamentado o Conselho de Ética para dirimir controvérsias de eventuais denúncias de violação do Código de Conduta.
Todavia, nova revisão e atualização introduziram algumas mudanças importantes no Código de Conduta, conforme o resumo abaixo:
SEÇÃO | ALTERAÇÃO |
Princípios Gerais | Inclusão do respeito à legislação relacionada à Proteção de Dados Pessoais. |
Interação com Agentes Públicos e Pessoas Politicamente Expostas | Acréscimo do conceito de Pessoa Politicamente Exposta, aprofundamento das regras na interação e adoção de avaliação de risco. |
Interações e Relacionamento com Associações de Pacientes | Extensão das interações a outras organizações semelhantes e retirada da limitação de 15% sobre o valor total para as taxas e organização do projeto. |
Contratação de Serviços Especializados | Os profissionais contratados deverão gozar de absoluta autonomia e liberdade na formulação de suas opiniões e análises, declarando eventuais conflitos de interesses. Nova regra para integrantes de comitês de elaboração de protocolos ou guias clínicos. |
Eventos Organizados pela Empresa ou por Terceiros | Novas regras para eventos organizados por terceiros, incluindo divulgação de pipeline; regras mais rígidas se o organizador do evento não for associação médica; vedação da área comercial na escolha de profissionais de saúde patrocinados para congressos e criação de critérios específicos para a concessão do patrocínio; e retirada da limitação de passagens em primeira classe para profissionais de saúde. |
Ações de Comunicação | Press releases não devem conter informações de caráter promocional e informações em mídia social devem ser veiculadas via canal oficial ou, se não, de forma transparente, constando a propriedade da referida informação. |
Materiais Promocionais | Essa seção foi integralmente reescrita levando em consideração algumas controvérsias já levantadas junto ao Conselho de Ética da instituição, como adaptação de gráficos, dados de estudo “in vitro” e animais, utilização de imagens de crianças, de gestantes, de corpos nus e de pessoas em práticas desportivas, utilização de uniformes de equipes esportivas e/ou atletas profissionais e materiais promocionais precisam ser datados. |
Atividades em Pontos de Venda Relacionadas a Medicamentos | Necessidade de formalização de ações promocionais junto às farmácias/redes de farmácias/parceiros comerciais previamente à realização. |
Atividades de Pré-lançamento e Comunicação sobre Medicamentos Sem Registro e Indicações Não Aprovadas pela ANVISA (Off Label) | Admitido o compartilhamento de informação off label de maneira reativa a profissionais de saúde, de maneira ativa em eventos científicos, na forma de comunicados para a imprensa/press releases e para atender determinações administrativas ou judiciais; vedação de preceptorias como único pretexto para divulgação de informação off label. |
Oferta de Brindes aos Profissionais de Saúde | Redefinição para a proibição de oferta de brindes, itens e/ou presentes para profissionais de saúde: (i) para benefício pessoal, (ii) em troca de recomendação ou aquisição do medicamento, (iii) em dinheiro ou equivalentes, (iv) na rotina de escritório ou de uso na manutenção e prestação de serviços de saúde, (v) incluindo logotipo do medicamento, (vi) itens promocionais (ex: post-its, mousepads etc.); permissão de oferta de itens com logo institucional essenciais para a educação e segurança dos pacientes, e revogada a proibição de assinaturas de revistas especializadas impressas e digitais para profissionais de saúde. |
Distribuição de Amostras Grátis | Simplificação do texto, permitindo amostras grátis para prescritores, de forma a melhorar o atendimento ao paciente. As empresas devem ter sistemas adequados de controle e prestação de contas com relação às amostras grátis, além de zelar pelo cuidado das mesmas em posse de seus representantes. Todo o conteúdo anterior previsto da Resolução RDC-60/2009 da Anvisa foi retirado, já que a resolução já estabelece tais regras. |
Medicamentos Isentos de Prescrição | Suprimido o texto que permitia expressamente a distribuição de brindes, relativa aos medicamentos isentos de prescrição, aos profissionais da saúde ou relacionados à área da saúde, já que condicionava às normas legais vigentes, e a norma por si só já é suficiente para regular a questão. |
Contato Direto com o Paciente | Colaboradores com função comercial ficam proibidos de fazer contato proativamente com pacientes. |
Educação Médica | Permitido o apoio à educação científica por meio de patrocínio de cursos virtuais ou presenciais, desde que não sejam cursos de formação ou titulação; permitido o apoio para desenvolvimento de portais com conteúdo científico e acesso gratuito; e permitida a realização de preceptorias próprias ou de terceiros. |
Materiais de Acesso ao Mercado | Seção inteiramente nova enfatizando que as empresas devem fornecer aos stakeholders informações científicas e econômicas relevantes que sejam verdadeiras, exatas, justas, equilibradas e sem distorções; materiais devem conter declaração que se destinam a acesso e não a fins promocionais, e o material que justifica as premissas em tais materiais deve ser armazenado pelos próximos 12 meses subsequentes, no mínimo; materiais devem (i) ser exatos, claros, robustos, equilibrados e completos, cientificamente e/ou estatisticamente referenciados, e não enganosos, (ii) ser justos e verdadeiros, (iii) não apresentar quaisquer designações, símbolos, figuras, imagens, desenhos, marcas figurativas, slogans e quaisquer argumentos de cunho publicitário em relação aos medicamentos e (iv) o nome da marca e o logotipo do produto podem ser usados, mas com o único objetivo de aumentar a transparência e o esclarecimento na discussão, além de garantir que as informações estejam claramente associadas à embalagem do produto; e profissionais de acesso podem acessar stakeholders antes do registro deferido do produto apenas para processos de orçamento e planejamento financeiro dos pagadores, fornecendo a eles dados técnicos da patologia em questão. |
Programas de Suporte | Trata-se de outra seção inteiramente nova no Código, definindo o que são programas de suporte ao paciente e ao profissional de saúde (programa de diagnóstico); não devem estar relacionados à indução de prescrição, uso, promoção, venda, recomendação ou endosso; a empresa deve definir suas regras; o programa não deve gerar nenhum tipo de compensação ao médico; dados de paciente ou profissionais de saúde não podem ser utilizados para finalidades comerciais; devem ser transparentes e não devem fomentar a judicialização; programas de diagnóstico não podem ser executados por áreas comerciais e a gratuidade deve ficar clara para o paciente; programas de suporte ao paciente somente com produtos devidamente legalizados no Brasil e prescrito pelo médico, não devendo estimular uso off label, sendo que a decisão de entrada ou saída é exclusiva do paciente; programas de suporte ao paciente terão como objetivos: (i) a promoção da saúde com ampliação da qualidade de vida, (ii) o serviço de apoio e adesão ao tratamento, (iii) a prestação ou esclarecimento de informações públicas para benefício de saúde ao paciente e acesso, sendo vetada a representação do paciente e/ou médico junto a terceiros[MAC|B|LA1] [AD2] ; programas de suporte ao paciente podem incluir serviços tais como: (i) descontos de medicamentos, (ii) fornecimento gratuito de medicamentos, (iii) home care, (iv) infusão e aplicação, (v) exames de acompanhamento, (vi) acompanhamento de profissionais multidisciplinares, (vii) fornecimento de itens relacionados exclusivamente para a melhor adesão ao tratamento. |
Importante salientar que o trabalho de atualização foi muito bem feito, contribuindo sobremaneira para o aprimoramento do conteúdo do Código de Conduta e a mitigação dos conflitos de interesses e riscos associados à interação da indústria farmacêutica com profissionais de saúde, pacientes, associações de pacientes e agentes públicos.
Alguns aspectos, entretanto, poderão merecer maior atenção em uma próxima revisão do Código de Conduta, tais como, o Mercado de Doenças Raras, Doações e Subvenções, Transparência (captura de transferência de valores da indústria farmacêutica para profissionais de saúde) e Interação e Due Diligence com Terceiros. Esse novo Código de Conduta é indubitavelmente um notável instrumento de autorregulação que auxilia sobremaneira na moralização de um mercado tão complexo.
[MAC|B|LA1]Confesso que não entendi esse ponto. Não entendi o “e acesso” nem o que é a “representação do paciente e/ou médico junto a terceiros”
[AD2]Prezado Marco, esse texto foi extraído ipsis litteris do Código de Conduta. “Acesso”, significa as formas que o paciente pode utilizar para conseguir o medicamento (ex: descontos, plano de saúde, etc.). Quanto à expressão “representação do paciente e/ou médico junto a terceiros”, significa dizer que nenhuma associada da Interfarma, pode falar em nome de qualquer paciente e/ou médico.